imagem retirada da net
Muito a custo tentei alcançar a pedra oval e irregular que, coberta de musgo, dava acesso a uma pequena casa de pedra coberta de heras.
Não sabia que casa era aquela nem o que ali iria encontrar, mas a minha intuição levava-me a seguir o som da melodia suave que se fazia ouvir, bem como o perfume de rosas tão intenso que me inebriava o corpo.
O dia acabara de nascer e o sol ainda espreguiçava suavemente seus braços dourados. Uma aragem fresca fez estremecer o meu corpo frágil e aconcheguei-o com o xaile de lã azul que tinha recebido de presente no último Natal. Olhei à minha volta e o silêncio fez-me sentir o bater apressado do coração. Soube naquele momento que nada me faria desistir de descobrir que mistério escondia aquela casa tão pequena e misteriosa.
Aproximei-me silenciosa e consegui alcançar, em bicos de pés, a única abertura que a casa mostrava. Era enfeitada de heras e miosótis, que quase tocavam o telhado reluzente feito de ardósia negra. O primeiro raio de sol iluminou, por segundos, um pedaço de pedra branca polida onde se encontrava uma mulher ainda adormecida.
Não consegui aguentar por mais tempo aquela posição e de um salto alcancei a relva verde e humedecida que se encontrava mesmo por debaixo da janela.
Rapidamente encontrei forma de voltar a subir. Mesmo em frente à casa havia uma enorme figueira. Descalcei os sapatos, pousei o xaile na rocha e atrevi-me a desafiar aquela árvore enorme e cheia de frutos ainda verdes, que espantada olhava para mim.
Admirei-me com a agilidade e força que ainda possuía, conseguindo em segundos alcançar o cimo da árvore. Agarrada a um forte ramo, consegui finalmente alcançar a pequena abertura e espreitar de novo.
Não tinha sido imaginação minha. Deitada na pedra de mármore branca lá estava aquela mulher na mesma posição e por mais que quisesse não conseguia ver-lhe o rosto que quase adivinhava cansado e triste.
O primeiro raio de sol entrou naquela casa fria e despida e um ténue movimento de cabeça deixou-me ver-lhe o seu rosto. Era tão belo!
Que estranho, pensei!
Que faria ali aquela mulher bela, sozinha e com ar de tanto sofrimento?
De vez em quando conseguia ver o movimento dos seus braços, para a frente e para trás, sentindo que pedia ajuda.
Do local onde estava não me fazia ouvir, apesar dos sons que emitia com toda a força da minha alma.
Por favor, estou aqui em cima, posso ajudar?
Olhe, está aqui uma pequena abertura por onde poderá sair. Não quer tentar subir?
Pensei que seria impossível sair fosse quem fosse por aquela abertura, mas o meu desejo de salvar a mulher não me fazia pensar em pormenores.
A minha missão era salvar aquele ser em sofrimento.
A posição daquela mulher era incómoda, estando certamente a causar-lhe alguma dor e sofrimento, mas senti que procurava ajuda para poder caminhar à procura de algo que a faria feliz.
Nenhum sacrifício seria de mais para o conseguir, pensei.
Sem ter conseguido ser ouvida ou sequer obtido um leve movimento de olhos na minha direcção resolvi descer para pedir ajuda.
Sentei-me na pedra oval e polida e admirei toda a beleza que me envolvia.
O sol estava quente e as últimas andorinhas ainda esvoaçavam no ar numa dança maravilhosa.
Recordei os dias de Primavera passados na aldeia!
O cheiro das primeiras flores a desabrochar e os ninhos que nos beirais das casas de madeira faziam todos os anos!Que delícia era observar, de novo, as andorinhas num vai e vem constante para alimentar seus filhotes que abriam o bico e piavam sem cessar.
Deixei-me embalar por esta visão maravilhosa e adormeci, sentindo a magia daquele dia morno e perfumado.
Em segundos, iniciei uma longa viagem pelo Universo e descobri que existiam dois mundos onde vivia: um exterior e um interior.
No mundo exterior quase todos os seres humanos lutavam por conseguir uma vida melhor: havia guerras, pessoas em sofrimento e com olhos cheio de lágrimas, crianças tristes e desnutridas, amparadas pelas mãos frágeis das mães que levavam ao colo crianças mais pequenas.A água e os alimentos eram escassos e as doenças propagavam-se rapidamente.
Havia homens poderosos que alimentavam essas guerras a troco de grandeza e riqueza, fechando os olhos a tanta injustiça, dor e destruição.
Nesse mundo todos viviam em sobressalto procurando conseguir o mais possível para terem um futuro melhor.
Tinha a certeza que muitas daquelas pessoas não teriam futuro, não estavam sequer a conseguir viver o presente de uma forma digna e feliz.
O que poderia significar o futuro para essas pessoas?
Estranhava que ninguém parasse para pensar o que se estava a passar ou o que significavam as palavras AMOR, PERDÃO, COMPAIXÃO, ALEGRIA e FELICIDADE.
No entanto, consegui ver que existiam algumas pessoas tranquilas, felizes e que sabiam amar.
Que pessoas eram essas?
Que magia havia nas suas vidas que conseguiam distanciar-se de tanta revolta, de tanta luta pelo poder, de tanto ódio estampado em tantos rostos, incapazes de entenderem o verdadeiro significado do perdão?
Que pessoas eram essas que sabiam proteger a natureza, que ajudavam os mais desfavorecidos, que sentiam compaixão e lutavam por um Mundo melhor?
Estaria a sonhar ou estaria já a ver o início de um Mundo novo, de um Mundo mais justo?
Um raio de sol brincou com o meu cabelo e o vento suave levou-me a ver o Mundo interior.
Esse mundo era cheio de luz, de paz e de amor.
As pessoas amavam-se e eram felizes!
Viviam como borboletas e pássaros num jardim, cheio de belas e exóticas flores, completamente livres e sorridentes. Amavam todos os seres que encontravam, fossem eles plantas, animais ou humanos. Não havia guerras, pois a abundância existente no Universo era de todos e para todos.
Não havia ódio, raiva, ciúme ou inveja em nenhum olhar, em nenhum gesto.
Todos eram iguais e tinham oportunidades iguais.
Ao som de harpas adormeciam todas as crianças e passeavam todos os velhinhos com doces sorrisos estampados no rosto.
Deixei-me envolver naquele mundo em perfeita harmonia e voei sem asas, sentindo que aquele era o meu verdadeiro Mundo.
Um sentimento de paz envolveu-me e um sorriso desenhou-se no meu rosto coberto de luz.
Que sentimento era aquele que me fez sentir tão feliz?
Seria Amor Incondicional?
Naquele voo mágico pelo céu, ainda sem estrelas, não tinha vontade de regressar ao mundo exterior.
Tinha descoberto a magia da vida, o amor incondicional e a luz.
O vento soprou forte e um arrepio sacudiu-me o corpo.
Abri os olhos e olhei o céu.
O sol escondia-se atrás da montanha e a lua mostrava o seu rosto ainda adormecido.
Apressadamente embrulhei-me no xaile de lã e sorri ao pensar que tinha libertado aquela mulher do sofrimento em que se encontrava.
Acabara de descobrir o seu Mundo interior, o seu poder e a sua força para continuar a viver.