O MEU CAMINHO A SANTIAGO (continuação)



Ponte de Lima/ Valença
Abril de 2008

Eram 9 Horas do dia 26 de Abril e o grupo de peregrino atravessava a monumental ponte romano/gótica, de 22 arcos, sobre o rio Lima.

Sabíamos que este percurso seria um dos mais bonitos e também um dos mais difíceis, contudo estavamos preparados para ultrapassar qualquer dificuldade, apesar do calor que já se fazia sentir.

Passámos junto à Igreja de Santo António da Torre Velha, viramos à direita e passamos junto da Capela do Anjo da Guarda, que ao longo dos séculos tem testemunhado a passagem de milhares de peregrinos. Fizemos o percurso até Arcozelo, por entre quintas e caminhos de terra e pedra, cheios de vegetação e poças de água.
À minha frente seguia um grupo que ora escorregava aqui, ora escorregava ali, nas pedras húmidas e enlameadas pela últimas chuvas e na preocupação de não escorregar também agarrei-me a um ramo de silvas que, sem qualquer compaixão, me picaram até doer. Ao largá-las não consegui o equilíbrio necessário e antes mesmo de me aperceber já estava com os pés enterrados numa poça enlameada e funda.
Oh meu Deus!
Olhei para trás, com olhos de suplica, e socorreu-me prontamente uma peregrina que não parava de rir. Não tive outro remédio senão percorrer, neste “estado lamentável”, alguns km até encontrar um riacho de água límpida, para me lavar. Mas, como acredito que nada acontece por acaso o longo caminho que tive de fazer, sob um sol intenso e um calor abrasador, tornou-se mais fácil, com os pés e sapatilhas sempre bem fresquinhos

Durante este percurso fomos admirando as cores com que eram enfeitados os caminhos: o amarelo das giestas e dos tojos e o lilás das urzes que estavam nesta altura completamente desabrochadas.

A paisagem era linda... e o cheiro característico dos eucaliptos ajudava-nos a respirar aquele ar puro que a natureza, com amor, nos oferecia a troco de nada.
Com ajuda do cajado fomos subindo devagar, sentindo o coração da serra da Labruja bater em uníssono com o nosso.


Mais 1Km e começámos a descer por entre olivais e dirigimo-nos para a Ponte da Geira sobre o rio Labruja.
O som do rio a correr por entre a vegetação parecia uma melodia preparada para ajudar os peregrinos a subir a encosta que mais acima esperava por nós.

Continuámos caminho pelo monte, em direcção ao Salgueiro, e cruzamos novamente o rio Labruja, agora na Ponte do Arco. Uns metros mais à frente fizemos a nossa grande paragem para nos refrescarmos. Mesmo ao lado, lá estava a belíssima Capela da Senhora das Neves e no adro um lindo cruzeiro. Entramos para fazer a nossa oração e de forças retemperadas e cheios de fé, continuámos encosta acima, por entre videiras, carvalhos, pinheiros e oliveiras em direcção à Portela Grande da Labruja.
E foi aqui perto, mergulhado num mar de pinheiros, que avistamos a Cruz dos Franceses, assinalando o local onde a população da Labruja emboscou os soldados do exército de Napoleão, na invasão de 1809. Fizemos uma breve paragem para sentir a energia deste local, tirar umas fotos e recuperar o fôlego.Tínhamos já 12km percorridos e, sem olhar para trás, subimos na vertical até ao cimo da serra.
Em cada passo dado sentíamos o nosso coração bater apressadamente em todos os pontos do nosso corpo e apesar de parecer estranho ao mesmo tempo fazia-nos sentir algo de maravilhoso....
Uma sensação de plenitude, de liberdade e de união entre o corpo e a alma foi o que senti neste subida.
O silêncio que se fazia sentir era quebrado pelo som da água correndo pela montanha e pelo respirar mais ofegante de alguns dos peregrinos.
Sentíamo-nos cansados e felizes!
Ao chegar ao cimo da serra ficamos maravilhadas com o lindo arranjo de malqueres amarelos, que parecia ali colocado por alguma mão Divina para nos receber e recompensar pela nossa coragem.
Que pena não ter ali a máquina para registar tal beleza!
Sorrindo, agradecemos ao Universo tal espectáculo e sentimo-nos abraçadas pela serra que acabávamos de subir.
Um grupo que caminhava à nossa frente já estava a instalar-se perto da casa da Guarda-florestal onde, uma bica de água fresquíssima esperava por nós.
Tínhamos combinado saborear neste local a merenda que trouxemos de casa e que carregámos nas nossas mochilas ao longo de toda a subida.
Esperámos mais uns minutos pelo resto dos peregrinos e um após outro lá foram chegando.
Por último apareceu o nosso companheiro mais idoso e também principiante, que não esmoreceu à dura subida e ao calor intenso que se fez sentir durante todo o percurso.
Foi uma lição de fé, de auto-confiança e de amizade, já que alguns peregrinos o ajudaram e acredito que também algum Anjo o ajudou, não fosse o cansaço empurrá-lo para trás.
É nestes momentos que esquecemos o que temos e mostramos o nosso valor pelo que somos! Permanecemos por 2 horas neste local aprazível, saboreando o farnel e descansando à sombra dos pinheiros.
Que delícia!


Completamente recuperados, do grande esforço feito na subida,  voltamos ao caminho descendo até Cabanas.
Já em Paredes do Coura ficámos maravilhados com as imensas quedas de água que cantavam à nossa passagem e também com moinhos bem conservados.

Seguimos depois até Agualonga, atravessámos uma velha ponte para chegarmos à Capela de S. Roque e percorrendo um espesso bosque chegamos finalmente à Igreja Românica de Rubiães.
Dirigimos-nos para o Albergue de peregrinos de S. Pedro de Rubiães, onde tomámos um agradável banho, descansámos e pernoitámos.
A noite estava tranquila e depois de um simples jantar adormecemos como anjos.
Um novo dia começava e bem dispostos começámos a percorrer os poucos metros da Estrada Nacional que nos levou à ponte românica de Rubiães.
Atravessámos a ponte, percorrendo o chamado Couto das Cabras, parámos para o pequeno-almoço e continuamos a caminhar na direcção a S. Bento da Porta Aberta.




Neste pequeno percurso, eu e outra peregrina, assistimos a algo de maravilhoso que não posso deixar de aqui descrever.
Talvez seja impossível mesmo descrever na sua totalidade tal acontecimento pois, além de não ser esperado, nunca tinha visto nada assim com tal intensidade.
À nossa frente, naquele imenso céu azul, ondas de energia oscilavam e brilhavam.
Sentíamos essa energia chegar até nós e espalhar-se sobre aquele local que parecia celebrar tal espectáculo.
Era tudo verde, brilhante e mágico!
Olhámos os pinheiros, que se erguiam majestosos e verdejantes, e lá estava a sua aura transparente e luminosa que conseguíamos ver sem qualquer esforço.
Esta sensação de leveza, de beleza, de luz, de energia interior e exterior acompanhou-nos no resto da nossa caminhada e foi partilhada, por nós, com alguns dos peregrinos que caminhavam mais à frente sem nada terem notado.
Aprendemos que estar atentos pode levar-nos a ter experiências maravilhosas e acreditar que o mundo onde vivemos é realmente mágico! Rapidamente chegámos a S. Bento da Porta Aberta.
Procurámos a Capela para fazermos a nossa oração e continuamos caminho ao som do sino da capela que parecia despedir-se de nós.
Percorremos a grande descida para Fontoura, encontrámos uma humilde representação de N. Sr. dos Caminhos, um verdadeiro símbolo do Caminho em Portugal, e na passagem por Cerdal já o cansaço era muito.
Decidimos fazer uma última paragem para retemperar forças e percorrer os 3km que faltavam até Valença, onde chegámos perto da hora do almoço.
Dirigimo-nos ao Albergue de Peregrinos onde a relva verdinha e fresca nos convidou a repousar e a uns exercícios de relaxamento. 
(Continua...)