Valença - Pontevedra
O dia amanheceu chuvoso, com relâmpagos e trovões à mistura, mas mesmo assim os peregrinos mantiveram-se confiantes e há hora combinada chegavam a Valença.
Depois de um cafezinho e de mochilas às costas, um a um foi colocando a sua capa impermeável para se proteger da chuva.
Tal como no filme o disforme corpo contrastava com o amor que sentimos no coração e percebi, nesse momento, que seria uma caminhada inesquecível.
A chuva deixava de cair com tanta intensidade e depois da habitual oração, feita a escassos metros do Albergue de Valença, soltamos o nosso grito ULTREYA e pusemo-nos a caminho.
Atravessámos a Ponte Internacional, obra do arquitecto Gustave Eiffel, sobre o rio Minho em direcção à cidade de Tui e admirámos o rio que lá em baixo seguia o seu curso calmo e tranquilo. Já em Tui, o guia informou que as setas amarelas que até aqui vínhamos seguindo seriam substituídas por conchas/vieiras colocadas nas paredes dos edifícios ou em marcos de pedra onde surgia também a indicação da distância até Santiago.
Aproveitámos para tirar a primeira foto do grupo, em terra espanhola, junto do primeiro marco que nos apareceu.
Continuámos em direcção ao velho porto e percorremos caminho até à zona antiga de Tui seguindo o denominado Caminho da Barca.
Mais à frente lá estava a Catedral Fortaleza de Santa Maria de Tuí, obra romântica e gótica, com capelas e naves que se enfeitam com imagens e pinturas do século XVI-XVII.
Deixamos as mochilas à porta e visitámos a catedral que estava maravilhosamente enfeitada esperando, provavelmente, uns noivos que ali iriam unir o seu destino.
Logo à entrada, depois de carimbar a credencial, deparei com o Arcanjo S. Miguel empunhando a sua espada divina e senti que ele protegia todos os peregrinos que por ele passavam ou que a ele se dirigiam numa pequena oração.
É um anjo lindo, maravilhoso e só de contemplá-lo nos sentimos protegidos com a sua força e luz!
Seguimos caminho atravessando pelo túnel do Convento das Clarissas, descemos uns degraus e chegámos ao sítio onde estava a Porta Bergana, um dos acessos à antiga cidade medieval.
Ao passarmos por estas ruelas, com suas casas bem recuperadas, parece que recuamos no tempo e vivemos por segundos na era medieval.
Aqui, acredito que os mais atentos podem viajar através dos tempos e pensar que um dia já foram reis, rainhas ou simples guerreiros.
Deixámos Tui para trás e caminhámos pela estrada N-550 até chegar à capela da Virgem do Caminho onde fizemos mais uma oração.
Daqui seguimos por caminhos verdejantes e veredas cheias de flores, meladas pela chuva caída durante os últimos dias, até à Ponte das Febres.
É uma pequena ponte de um só arco, de pedras gastas pelo tempo, que passa sobre o rio São Simão, um afluente do rio Louro.
Para facilitar a passagem encontra-se agora revestida com tábuas de madeira, como se pode ver.
Neste lugar São Telmo, que fazia a sua peregrinação a Santiago, adoeceu e acabou por morrer.
Para assinalar a sua passagem há um marco onde se pode ler:
"Aqui adoeceu mortalmente São Telmo em Abril de 1251.
Pede-lhe que fale com Deus a teu favor".
Neste percurso o caminho encontrava-se bastante enlameado e esburacado mas nem por isso deixámos de sentir a verdadeira essência da natureza.
Mais à frente paramos no Bar Novo Cazador para almoçar e recuperar forças para o caminho longo que ainda nos esperava.
Em breve chegámos à zona industrial de Porriño e as rectas que tivemos de percorrer pareciam não ter fim. Sorte tivemos pelo tempo fresco que se fez sentir pois, em dias de calor é um verdadeiro suplicio por ali passar.
Uma vez em Porriño e em direcção a Mós uma grande alegria invadiu o nosso coração e foi lindo ver a união dos peregrinos que, ao soltarem a sua criança interior, entoaram, em várias vozes, canções bem conhecidas e cheias de significado.
Neste estado de perfeita harmonia com a natureza conseguimos percorrer os km que ainda faltavam com mais energia e entusiasmo.
Depois de um sono repousante começámos a nossa caminha pelas 8h da manhã.
Apanhámos uma subida bem penosa, de alcatrão, onde o nevoeiro ainda encobria o sol que sabíamos nos iria acompanhar durante este novo dia.
Já no alto da subida e antes de descermos para Redondela encontramos um monumento comemorativo do Xacobeo.
Chegámos a Redondela e deparámos, mesmo junto do Albergue, com uma feirinha Medieval que nos fez recuar novamente no tempo e viver por momentos na idade média.
O albergue, situado num edifício histórico do Século XVI, que dá pelo nome da casa da Torre, é um dos principais do Caminho Português e mais do que um albergue é também um ponto de convívio dos habitantes da vila.
Faltavam ainda 15km para Pontevedra, não podíamos ficar mais tempo a viver aquele ambiente tão acolhedor e tão mágico, por isso não tardámos a prosseguir viagem.
O sol abraçava-nos com carinho e brindava-nos com os seus raios mornos e luminoso.
Sorri ao olhar o grupo que hoje tinha um aspecto totalmente diferente e que mantinha alegria e motivação para iniciar a subida íngreme que mais à frente esperava por nós.
Passada a ponte do caminho-de-ferro, o caminho era agora feito numa zona de floresta e em silêncio.
Depois da subida e de respirarmos aquele ar puro, lá estava a descida para Arcade, com uma vista panorâmica deslumbrante sobre a ria de Vigo.
Olhei de longe e vi pequenos barcos que deslizavam naquelas águas tranquilas, brilhando sem cessar.
Deixei que a minha imaginação me transportasse para lá por breves segundos e senti que toda aquela paisagem estava envolta numa aura dourada que fazia lembrar o paraíso reproduzido por alguns pintores famosos.
Foi um momento maravilhoso!
Atravessámos Árcade, pelas típicas ruas e chegámos à histórica Pontesampaio.
Fizemos uma paragem para uma merendinha, aproveitámos para carimbar a credencial e iniciámos nova subida. Aqui, as pedras misturavam-se com lama e pedaços de paus arrastados pelas chuvas mas, mesmo assim, não deixou de ser um caminho bonito e com um agradável cheiro a eucaliptos que nos purificou os pulmões, ajudando-nos a continuar. Descemos até ao rio Ullo, passámos sobre um arco de volta inteira, com um cenário natural de rara beleza e de novo uma subida, desta vez uma velhíssima calçada que nos levou até Cacheiro.
No final, o caminho alargou-se por entre campos, vinhas e pomares e não tardou entrámos em Pontevedra. O cansaço era muito mas estávamos felizes!
Descansámos no belíssimo Albergue, que mais à frente esperava por nós.
Pontevedra -Padron
Eram 10h15m quando iniciámos o caminho, com a nossa oração habitual e o grito ULTREYA, em direcção à praça “ A Peregrina” onde se encontra o Santuário da Virgem Peregrina, datado do séc. XVIII.
Preparávamo-nos para entrar, com a intenção de admirar a sua beleza e pedir à Virgem Mãe a sua protecção, quando deparámos com obras de restauro. Um pouco tristes, admirámos o seu exterior que mostrava a sua forma semelhante a uma vieira (concha), e por ali permanecemos alguns minutos contemplando a praça antiga, onde sobressaíam as varandas de madeira de vária cores, e pedindo protecção à Virgem para a viagem.
Continuámos caminho pela antiga Porta de Trabancas, percorremos a cidade velha até à milenária ponte de O Burgo e contemplámos e atravessámos o rio Lérez que neste local se lança na Ria de Pontevedra. Alcançámos a margem norte entrando pela rua da Santinha, onde se conta que no nº 95 ofereceram os primeiros frutos das colheitas a S. Tiago, e continuámos por um caminho verdejante, ao longo de todo o vale do rio da Gândara, passando pela Igreja de Santa Maria de Alva e Capela de S. Caetano.
Percorremos os bosques de Reiriz e Lombo da Macieira e foi por aqui que uma peregrina encontrou dois trevos de quatro folhas quase sem olhar.
Foi um momento lindo, simples e único que proporcionou uma partilha de sabedoria e magia.
Depois de deixarmos San Mauro para trás encontramos uma fonte de água potável que nos proporcionou mais um momento de frescura e seguimos por uma pequena estrada alcatroada, com uma paisagem linda, até Valbon. Aí admirámos dois interessantes cruzeiros e no fuste do outro, Santiago Peregrino indica aos romeiros o caminho.
Parámos para saborear o nosso farnel no Alto da Portela, junto a uma capelinha fechada e abandonada, e aproveitámos também para aliviar os pés e descansar já que o calor era muito e ainda faltavam percorrer alguns km até ao nosso destino.
Um cafezinho soube-nos bem nesta altura!
De energias renovadas continuámos caminho circulando o Rio Lamas, ao longo da sua margem esquerda, até chegarmos a Brialhos.
O destino era o Albergue Brialhos-Portela e depois de uma travessia por caminhos cheios de vinhas, ao som do cântico dos pássaros, finalmente chegámos.
Ali estava ele, praticamente novo, á nossa espera com um lindo campo cheio de relva e baloiços. Entrámos e esticámo-nos a descansar na convicção de que teríamos lugar para todos, dada a sua dimensão, mas ficámos desapontados quando soubemos que os beliches eram poucos, alguns estavam já ocupados por outros peregrinos, para um grupo tão grande como o nosso.
Depois de vários contactos, feitos pelo incansável guia, fomos informados que alguns dos peregrinos teriam de ficar no pavilhão Gimnodesportivo.
Os obstáculos surgem a cada momento no caminho, tal como na nossa vida, e mais unidos do que nunca rapidamente voltamos a sorrir. Tomámos um bom banho, descansámos na relva macia nosso corpo dorido, ao som da voz de uma peregrina que deu mais uma lição sobre alimentação macrobiótica.
A caça aos grilos e os baloiços fizeram-nos recuar no tempo e na idade.
Não tardou aparecer o transporte para nos levar ao Parque Natural Ria Barosa, a poucos km dali, e digno de ser visitado.
Chegámos perto da hora do jantar, deliciámo-nos com a sua água cristalina, que em cascatas entoava verdadeiros hinos de agradecimento à natureza.
A beleza do local e a sua frescura foi como uma bênção para todos os peregrinos que sob sol intenso caminharam todo o dia. Pensei nessa altura que a recompensa divina é dada quando menos esperamos e agradeci aquele lugar repousante e refrescante.
O moinho antigo, junto da cascata, esperava por nós para jantarmos e enquanto aguardávamos as costelinhas grelhadas, saboreámos a deliciosa bola de soja, feita por uma peregrina, que serviu de entrada.
Depois de um dia tão intenso a Guarda Civil, gentil e prestável, escoltou-nos amavelmente ao Albergue e ao Pavilhão para o merecido descanso.
Bem cedo nos levantámos no dia seguinte para continuar viagem.
Os hospitaleiros do Albergue não foram nem simpáticos, nem amigáveis mas este contratempo só veio ensinar-nos que no caminho nem tudo pode ser perfeito.
Reunimo-nos ao resto do grupo e continuámos em direcção a Caldas de Reis onde entrámos pela Igreja de Santa Maria, de estilo românico, datada do séc.XII.
Atravessámos a ponte sobre o rio Umia, local de grande beleza,
e fizemos um breve descanso na Fonte das Burgas, aproveitando para molhar os pés na água quentinha que jorra da boca de dois leões desde 1881.
Parámos para tomar o pequeno-almoço e abandonámos Caldas de Reis percorrendo a Rua Real até à ponte medieval sobre o rio Bermana, uma das áreas mais interessantes desta cidade, onde fomos admirando as casas antigas de varandas de madeira e em bom estado de conservação.
O caminho era agora pelo vale do rio, rodeado por bosques centenários. Passámos pela interessante igreja românica de Santa Maria de Bemil e mais à frente lá estava a igreja de Santa Marina de Carracedo. Depois da visita e feita a oração continuámos passando por Casal de Eirixio e O Pino e embrenhámo-nos em bosques profundos, através do monte Albor, num percurso que considero dos mais lindos do caminho de Santiago.
Os fetos verdes e gigantes, os pinheiros e os carvalhos eram salpicados de flores multicolores que tornavam o caminho de rara beleza.
O rio acompanhava-nos neste percurso e o som que até nós chegava fazia-nos sentir que aquele lugar era mesmo muito especial.
Apeteceu-me ficar por ali a saborear aqueles momentos sentindo o sol bater no meu rosto e iluminar meu corpo já cansado de tanto caminhar mas, não havia tempo para mais uma paragem. Voltei rapidamente aos meus tempos de criança e de onde em onde fui colhendo flores recordando o seu nome. Ao chegarmos ao fim do percurso tinha nas mãos o mais lindo ramo de flores campestres, que alguma vez imaginara, e senti a magia das suas cores misturado com o cântico que a minha alma cantava em silêncio. Foi sem dúvida um percurso maravilhoso, de regresso à minha infância, de encontro com a minha verdadeira essência e recordei com amor meus pais que há muito partiram. O lindo ramo de flores foi admirado por alguns dos peregrinos que me acompanharam de mais perto naquele percurso e que também contribuíram para a sua inegável beleza. Já perto do moinho de Solleiro caminhámos até chegar a San Miguel de Valga e iniciámos a descida para passarmos o rio Ulla.
A descida foi linda!
Apesar dos troncos velhos cortados e lançados ao chão, que nos obrigou a ter mais cuidado para evitar alguma queda, a paisagem era maravilhosa e no silêncio do percurso senti a natureza, tal como nós, a ser renovada.
Ali estava ela: linda, com o sol beijando o seu rosto e sorrindo apesar de lhe terem cortado algumas das suas árvores.
Naquele momento o meu coração saltou de alegria por estar naquele local e agradeci ao PAI a minha existência e a de todos os peregrinos que me acompanhavam. Estava feliz envolta no silêncio da natureza, onde só se ouviam os nossos passos, o som do rio cantando baixinho e o piar dos pássaros. O sol morno beijava meus braços desnudados e senti-me em perfeito equilíbrio e em total liberdade. Lembro-me de ter pensado que a escolha do caminho é por vezes determinante para alcançarmos o nosso verdadeiro equilíbrio mas, acredito que qualquer caminho, por mais difícil que seja, se for percorrido sem medo, com fé e escutando o coração acaba por se tornar cada vez mais fácil e gratificante.
No fim do caminho há sempre uma luz à nossa espera e é ela que nos guia e nos dá força para continuar.
No fim desta descida rápida e silenciosa atravessámos a Pontecesures, de origem romana, e pela N-550 percorremos caminho até encontramos Padrón, na margem oposta do rio Ulla. Atravessámos a zona da feira, que se encontrava com aspecto sujo e pouco apresentável à vista, devido á feira que ali se tinha realizado, e procuramos um café para descansar e comer alguma coisa. Mais reconfortados e descansados visitámos finalmente a Igreja de S. Tiago onde pudemos ver o padrão onde foi amarrada a barca do Apóstolo e que deu o nome a esta cidade.
O resto de sol que ainda brilhava no céu foi aproveitado, por nós, à beira do rio para descansar.
Mais uma etapa concluída com fé, com amor e em perfeita harmonia.
Padron - Santiago
Iniciamos o caminho, às 7h da manhã, o ultimo que nos levaria a Santiago.
O calor fazia-nos adivinhar uma etapa difícil, não só pelo calor excessivo que se previa mas, também, pelas subidas e descidas que ainda tínhamos de fazer.
O grupo contava com 33 peregrinos e pensei, no momento, como era bom termos conseguido chegar ao fim com um grupo tão grande e tão unido.
Agradeci ao Santo a sua ajuda e lembrei-me da minha 1ª. peregrinação, onde fomos apenas 12 a terminar o caminho.
Reunimo-nos no parque, em frente à Igreja de S. Tiago, com o rio Ulha correndo tranquilamente no seu leito, ainda adormecido, e onde as árvores se abraçam e entrelaçam numa harmonia perfeita, para recebermos informações do nosso guia e fazer a habitual oração.
Ao som do grito ULTREYA SUSEIA, deixámos a cidade em direcção ao norte até à Colegiata de Santa Maria de Iria Flávia, sede episcopal antes da sua transferência para Santiago de Compostela, associando-se este local à poetisa Rosália de Castro, aqui sepultada e o Nobel Camillo José Cela aqui nascido. Continuámos caminho pela N 550, ao longo de 1 km, saindo depois para começarmos a percorrer as lindas aldeias de Romaris, Rueiro, Cambelas, Anteportas e Vilar, no Vale do rio Sar.
Percorríamos caminhos estreitos, ladeados por campos de cultivo à mistura com árvores de frutos e onde as videiras mostravam já os verdes e minúsculos cachos de uvas que, vaidosos, espreitavam por entre a abundante folhagem.
Os espigueiros, destinados a guardarem os cereais ou alimentos para os animais, estavam bem conservados e rodeados de lindas flores que nos sorriam e nos convidavam a uma fotografia.
O calor começava apertar, o nosso corpo mostrava já sinais de cansaço e as mochilas pareciam pesar mais do que nunca. O silêncio de alguns e a conversa animada de outros fez-me sentir com alegria que o grupo, durante todas as etapas, foi livre de escolher a melhor forma de fazer o caminho e o respeito que cada um teve por si e pelos outros foi tornando este nosso caminhar numa aprendizagem constante, não só a nível físico como a nível espiritual. O caminho levou-nos até ao Santuário barroco da Nossa Senhora da Escravitute, erguido sobre uma fonte onde, em 1732, teve lugar o milagre que motivou a sua construção. Aproveitámos para descansar e beber a água fresquíssima que jorrava da fonte. Depois de passarmos pela Igreja de Santa Maria de Cruces, continuámos entre bosques até chegar à pequena povoação de Angueira de Suso descendo novamente à N 550 que percorremos, pela sua berma, durante cerca de um quilómetro. Ao longo do percurso o contacto com a natureza foi-nos transformando em seres mais conscientes e por isso mais atentos a todos os pormenores.
Não deixamos de reparar na arruda, conhecida como erva protectora e com "poderes" contra o mau-olhado e vibrações negativas, que nos sorria através das suas flores amarelas, de cheiro bem característico, e não nos escaparam as pequenas maçãs, já maduras, caídas de uma árvore à beira do caminho que tão bem nos souberam.
Mais à frente o grupo dividiu-se: os mais afoitos rapidamente desapareceram, como fumo, e não tardou que depois de percorremos alguns km sobre calor intenso o esgotamento físico fosse sentido por alguns de nós. Nessa altura, nem pensamos duas vezes, refastelamo-nos à sombra da enorme vegetação do bosque que agora percorríamos, para descansar, beber água e recuperar forças.
Estávamos no auge do calor, eram 13 h, e sentimos que não havia necessidade de caminhar tão apressadamente, por isso o descanso nos soube tão bem.
Passámos assim 20 minutos, num piscar de olhos, e mais animados e frescos deixámos o aprazível local e subimos mais um pouco, passando ao lado do Albergue de Teo, local que muitos peregrinos aproveitam para pernoitar no último dia da caminhada, atravessando num pontão a linha-férrea.
Aqui, começámos a sentir a proximidade da grande cidade e não tardou a chegarmos a Milladoiro onde, numa agradável cafetaria, o grupo pioneiro já se instalara. Nessa altura nem podia acreditar que tinha chegado sã e salva àquele local que me pareceu um verdadeiro oásis no meio do deserto.
O meu rosto e o de alguns dos peregrinos, estavam tão vermelhos que mais pareciam romãs acabadas de colher. O suor escorria pelo corpo, a sede era tanta que rapidamente bebemos até mais não poder e acabámos por aproveitar aquele acolhedor local, durante umas boas 2h, para almoçar e esperar que a temperatura descesse um pouco para voltarmos ao caminho.
Eram já 16h quando refeitos e quase como novos, de corpo e alma, subimos em direcção ao Agro dos Monteiros. Aproveitámos para parar um pouco e desfrutar da linda paisagem sobre a cidade e avistámos, pela primeira vez, as torres da Catedral. Descemos depois pela encosta, atravessámos a linha férrea e entrámos finalmente na cidade pela árdua subida da Choupana.
Percorremos as Avenidas de Castro e Juan Carlos I e encontrámos a Alameda da Ferradura, onde fica a porta Faxeira, entrada tradicional do Caminho Português na cidade velha.
Eram 18h e a tarde continuava quente e luminosa.
O encontro com Santiago seria no dia seguinte, por isso dirigimo-nos para o Albergue de Peregrinos, no Monte do Gozo.
Fiquei surpresa com as magnificas instalações que nos esperavam e depois de subirmos uma enorme escadaria, encontrámos a recepção onde apresentámos as credenciais esperando pela distribuição dos quartos.
Um bom banho, uma muda de roupa e ficámos prontos para o jantar.
Ali perto, já no caminho Francês, encontramos o restaurante onde saboreamos uma refeição económica e participámos num convívio agradável e saudável entre todos os peregrinos.
A aceitação de todos, o entusiasmo e a alegria do grupo mais uma vez me fez sentir que éramos um grupo especial, unido, cheio de fé, com espírito aberto e cheio de luz.
Levantámo-nos cedinho no dia seguinte, tomámos o pequeno-almoço, nas belíssimas instalações para esse efeito, e numa última oração unimos as mãos e agradecemos ao Altíssimo.
SUSEIA, foi o nosso último grito!
O tempo fresco fez-nos percorrer, num ápice, os 4km que faltavam para entrarmos na catedral. Chegámos à praça do Obradoiro, Km zero, cheia de peregrinos e grupos de jovens, com um sorriso de alegria, com olhos a brilhar de felicidade e tirámos ali mesmo a fotografia de grupo, para um dia recordar.
Grandes emoções nos esperavam ainda e a missa do peregrino não tardou a começar.
Entrámos na catedral silenciosos e aguardámos tranquilamente pelo seu começo.
Juntos, celebrámos a nossa chegada, agradecemos a Deus e ao Apóstolo esta vitória e os ensinamentos dos nossos companheiros de caminhada.
Recordámos o início da caminho, os momentos de encontro com a nossa Essência, a força que descobrimos existir em nós, o sofrimento físico provocado por bolhas, unhas negras, músculos dorido, pontapés, quedas, arranhões e também a cura que a natureza, gratuitamente, nos ofereceu.
Os abraços, o perdão, o amor incondicional e o obrigado misturado com lágrimas, sorrisos e silêncios fizeram deste momento, para sempre, inesquecível.
Visitámos depois o sepulcro de Santiago, onde aproveitámos para orar e meditar, pedindo orientação para continuarmos a viver a nossa vida em perfeita harmonia.
Por fim, o abraço à estátua do Apostolo que preside a Basílica, desde o Altar Mor, o último agradecimento, a ultima oração pelos que ficaram e nos são tão queridos e um ultimo pedido pessoal.
No final recolhemos o documento, a Compostela, que atesta que caminhamos a pé até Santiago e o motivo pelo qual o fizemos. Nesta altura, de missão cumprida, a paz invadiu o nosso corpo e a nossa alma e senti que todos, em uníssono, estávamos em estado de graça.
Depois do almoço, por entre abraços e beijos de despedida vi tristeza e saudade em alguns olhares, mas a promessa de um reencontro, em breve, voltou a fazer-nos sorrir e a desejar fazer de novo este CAMINHO.
Para aqueles que desejarem passar por esta magnífica experiência eu deixo a seguinte mensagem:
Todos os caminhos nos levam ao mesmo destino, mas todos eles são diferentes, pois tudo depende de quem o faz, do seu estado de alma e dos olhos com que o vêem.
Apesar de tudo, quem faz o caminho nunca mais volta a ser a mesma pessoa pois existe sempre uma grande transformação.
Para terminar deixo-vos com uma mensagem de Eugene Ware:
“Todas as vitórias nascem quando ousamos começar "