INTRODUÇÃO
A busca e a procura da minha verdadeira identidade, levou-me a desejar fazer uma peregrinação, a pé, a Santiago de Compostela.
Este desejo intenso começou a fazer parte dos meus sonhos e como acredito que os sonhos são possíveis de realizar surgiu, quando menos esperava, um convite para fazer essa peregrinação.
Partilho agora esse caminho, feito por etapas ao longo de alguns meses de 2008, e posso garantir-vos que foi um momento único na minha vida como ser humano.Porto - Vilarinho
Fevereiro de 2008
Admirava a beleza do interior da estação de S.Bento de uma forma tranquila. Era cedo e de mochila às costas, bem agasalhada, pensava que nunca tinha tido tempo para conhecer por dentro aquela estação. Passava ali poucas vezes e sempre a correr.
O comboio que vinha de Braga ainda não tinha chegado e já o meu coração batia apressadamente. O encontro com os outros peregrinos estava para breve e olhava ansiosa a porta da gare. Ainda não estava convencida que tinha decidido fazer tão longo caminho e até nem sabia se ia conseguir aguentar mas, logo os pensamentos foram interrompidos pelas gargalhadas e correrias dos que acabavam de chegar.
Beijos e abraços e estava na hora de subir a rua que nos levaria à Sé do Porto para aí iniciarmos o caminho a Santiago.
Beijos e abraços e estava na hora de subir a rua que nos levaria à Sé do Porto para aí iniciarmos o caminho a Santiago.
o grupo de peregrinos na Sé do Porto
A Igreja da Sé, situada no coração do centro histórico do Porto, é um dos principais e mais antigos monumentos da cidade, cujo início da sua construção remonta à primeira metade do século XII e se prolongou até ao século XIII.
No átrio exterior, enquanto esperávamos que a missa que decorria terminasse, fizemos as apresentações com muito humor e finalizamos com uma oração que é já um ritual deste grupo de peregrinos.
Depois da visita à Igreja começámos a descer pelas escadas de pedra, gastas pelo tempo, e por ruas estreitas com casas típicas que nos fizeram reviver épocas passadas.
Lá no fundo, entre duas ruelas, corria o rio Douro majestoso e soberbo mostrando ainda alguns barcos rabelos que por ele passavam para contar aos turistas e curiosos um pouco da história do transporte do vinho do Porto.
barcos rabelos
Avistámos a Ribeira, ponto obrigatório de paragem para turistas, e a Igreja da Ordem da Terceira de S. Francisco, primeiro templo de estilo neoclássico erguido no Porto, cuja construção se iniciou em 1795.
Fomos subindo por ruas íngremes e velhas, bem dispostos e sem demonstrar qualquer cansaço, procurando sentir e descobrir a história da calçada e de cada monumento.
A rua de S. Bento da Vitória conduziu-nos ao Largo da Cordoaria onde admiramos a Antiga Cadeia da Relação, edifício triangular e com 102 janelas, onde agora funciona o Centro Português de Fotografia.
Do nosso lado direito avistámos majestosa a Torre dos Clérigos, de estilo Barroco, com seis andares e 225 degraus.

torre dos clérigos
Um pouco mais adiante deparámos com o edifico rectangular neoclássico que foi destinada à Real Academia da Marinha e do Comércio, ocupado pela Faculdade de Ciências do Porto durante muitos anos e onde actualmente se encontra instalada a Reitoria e vários Museus da Universidade do Porto.
Atravessámos a Praça dos Leões, outrora ajardinada, com suas palmeiras seculares e mesmo à nossa frente lá estava a Igreja das Carmelitas.
Mais adiante a Praça Carlos Alberto, com o monumento erguido ao soldado desconhecido, e logo de seguinda embrenhamo-nos pela rua de Cedofeita que parecia não ter fim.
Bem ao fundo, depois de passarmos por inúmeras lojas de calçado e pronto vestir, do nosso lado esquerdo mal se viu a Igreja de Cedofeita, considerada a igreja mais antiga da cidade do Porto.
Caminhamos em direcção ao Carvalhido e devagar, já que o movimento aquela hora era muito, chegamos à Prelada.
O calor começou apertar e aqui e ali parávamos para aliviar um pouco o nosso corpo das camisolas e gorros de lã que tivemos de vestir pela manhã.
Já perto da VCI, avistamos S. Mamede Infesta que esperava por nós.
Duas horas de caminhada e olhando para todos vi estampado em cada rosto um sorriso e em cada olhar um brilho intenso.
Duas horas de caminhada e olhando para todos vi estampado em cada rosto um sorriso e em cada olhar um brilho intenso.
Meia hora depois, fizemos a primeira paragem para descansar e saborerar uns bolinhos comprados pelo caminho. Ali mesmo os repartimos com alguns locais que agradecidos se mostravam admirados por desejarmos fazer tão grande peregrinação.
Depois do merecido e curto descanso, com o corpo refrescado e cheio de energia, voltamos ao caminho e S. Mamede parecia nunca mais acabar.
Atravessamos a linha do comboio e continuamos em direcção á Maia, local escolhido para saborearmos o farnel trazido de casa e transportado nas nossas mochilas coloridas e bem confortáveis.
um banquinho de pedra veio mesmo a calhar
O nosso cansaço físico era agora bem visível mas, o nosso espírito continuava forte e determinado para conseguir alcançar a meta proposta.
A partir daqui o caminho tornou-se mais leve, para trás ficava a história de uma cidade antiga e cheia de monumentos.
Nossa mente concentrava-se agora na natureza e a quietude interior que começávamos a sentir proporcionava um profundo bem-estar e uma grande paz interior.
Deixamos de ver para apenas sentir!
A beleza das primeiras flores que desabrochavam á beira do caminho e o seu colorido fez-nos esquecer os km que ainda faltavam para chegar a Vilarinho.
Neste nosso caminhar constante trocamos com os nossos companheiros de caminhada nossas experiências e sabedoria.
a natureza e nós
Como é bom sentir que cada um busca a sua identidade, que cada um caminha assumindo o controlo total da sua vida, pretendendo ganhar força para ser dono do seu destino.
Chegámos à freguesia de Vilarinho, Vila do Conde, já ao fim da tarde.
Uns, mais cansados do que outros mas felizes por termos conseguido chegar juntos.Vilarinho-Barcelos
1 de Março
Apesar do tempo chuvoso dos últimos dias, sábado mostrou seu rosto sorridente e cheio de sol.
o grupo reunido
Em Vilarinho, depois de um café, reunimo-nos no jardim onde começámos com as apresentações, pois o grupo contava agora com mais quatro elementos.
Demos as mãos e fizemos a oração, terminando com as habituais palavras “ULTREYA SUSEIA” que significam para a frente e para o alto.
Este é um “grito” que mexe cá dentro como se, sem ele, o caminho fosse mais longo e doloroso.
Percorremos alguns quilómetros entre montes e campos de cultivo, à mistura com pequenas localidades, onde os caminhos eram ladeados por eucaliptos, que se erguiam majestosos e perfumados á nossa passagem.
Os campos, esses vestiam-se de vários tons de verde e eram salpicados por laranjeiras, cobertas de lindos frutos maduros, que convidavam a uma paragem para os podermos saborear. Mas o longo caminho que nos esperava a isso não permitia e os nossos olhos, esses sim, deliciavam-se com tão magnífica paisagem.
Nas veredas estreitas que íamos percorrendo, as flores de tojo, selvagens e amarelas, vergavam-se á nossa passagem e pareciam pedir perdão por algum sofrimento causado por alguma picadela.
Nesse momento senti uma voz baixinho segredar-me:
... nascem á beira do caminho sem tratamento e carinho e sempre prontas a embelezar os olhos e a vida de quem por elas passam....
Oh como é simples e bela a natureza, murmurei!
Nesse momento senti uma voz baixinho segredar-me:
... nascem á beira do caminho sem tratamento e carinho e sempre prontas a embelezar os olhos e a vida de quem por elas passam....
Oh como é simples e bela a natureza, murmurei!
as primeiras flores
Mais adiante, passamos por outras flores que guarneciam os muros parecendo grinaldas, umas roxas, outras brancas e amarelas, essas, bem mais delicadas e lembrando-nos que assim podem ser as pessoas, umas mais doces e felizes e outras mais sofridas e infelizes, conforme o meio onde nascem, crescem e vivem as suas experiências.
Todos estes pensamentos nos assaltam, e as comparações vão-se fazendo ao mesmo tempo que partilhamos as nossas experiências de vida com os companheiros de caminhada.
Fazem-se também longos silêncios e compreendemos que todos somos iguais e todos somos diferentes.
Neste percurso as mochilas que carregamos com o nosso farnel e mais alguns haveres quase não se sentem pois passamos rapidamente por um tempo que não tem idade e que mostra, sem vaidade, como é possível viver em perfeita harmonia com a natureza.
Perto da hora do almoço chegamos a S. Pedro de Rates, vila simpática e acolhedora, que nos brindou com a sua Igreja Românica.
Depois de uma breve visita á Igreja dirigimo-nos para o Albergue, que foi o primeiro albergue oficial do Caminho Português de Santiago.
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a liberdade sentida
Aqui tudo nos encantou!
Esperavam-nos umas instalações remodeladas com gosto, uns lindos bancos de madeira para almoçarmos e um espaço verde onde alguns aproveitaram para se esticarem e descansarem sentido o calor do sol e o cheiro a terra.
o cataventos
Saímos do Albergue mais aconchegadinhos e agradecidos por tanta beleza e harmonia.
Foi lindo, mesmo lindo!
Continuamos o percurso atravessando o monte pejado de arvoredo, avistamos um riacho por sobre um pontão e mais adiante um nome peculiar nos chamou atenção, o Alto da Mulher Morta.
Em breve chegamos à estrada N 306, na localidade de Pedra Furada, mesmo junto a uma capela. Aproveitamos para beber um café e seguimos caminho, agora por estrada de alcatrão e partilhado com o tráfego, o que torna o caminho menos agradável.
Antes de chegarmos a Barcelos aconteceu o inesperado, eu e mais 3 peregrinos seguimos por caminho errado. A culpa foi toda minha já que jurava avistar ao longe mais 4 peregrinos que seguiam, não por aquela estrada mas pela verdadeira... como tal foi possível não consigo explicar!!!!
Mas, como nada acontece por acaso, acabamos por apanhar uma boleia de um habitante local que seguia no seu carrinho e assim ajudou a aliviar os pezinhos sofridos de uma peregrina que se recusavam a caminhar.
Rapidamente nos juntamos ao grupo que esperava por nós e tudo acabou em bem.
O caminho estava a chegar ao fim e depois de atravessarmos a ponte medieval sobre o rio cávado, lá estava a cidade de Barcelos para nos acolher e abraçar. ponte mediaval sobre o rio cávado
(continua....)