O MEU CAMINHO A SANTIAGO (continuação)

Barcelos - Ponte de Lima
Março de 2008
Para alegria de todos chegámos a Barcelos sem chuva, à hora combinada e com um sorriso lindo e transparente a iluminar-nos o rosto. 
A surpresa foi grande quando vimos a nossa roda de peregrinos tornar-se numa roda “gigante”.
As caras novas eram muitas e depois do guia proferir algumas palavras de boas vindas, seguiu-se a tradicional oração e o grito ULTREYA e SUSEIA.
Iniciamos o caminho em direcção ao posto do Turismo e já o sol brilhava quando atravessamos a linda cidade. Senti naquele momento que ele nos iria acompanhar ao longo dos 33 km que teríamos de percorrer. 
Embrenhamo-nos pelo interior do vale do Neiva, enfeitado com campos verdes e amarelos e  salpicado com lindos limoeiros cobertos de frutos maduros.
A natureza brindou-nos ao longo deste percurso  com lindas paisagens coloridas e fez-me lembrar  lindas aguarelas pintadas por artistas mágicos e célebres. 
As  flores sorriam para nos saudar e uma peregrina não resistiu a colher duas, de cores fuschia e amarela, transformando-as em dois lindos e graciosos brincos que me colocou com um gesto carinhoso.
Fiquei tão feliz que, por momentos, deixei que a minha criança interior se manifestasse e não resisti ao chamamento da máquina fotográfica que num instante registou tão carinhoso acontecimento para mais tarde recordar.

Entrámos em Lijó pela ponte sobre o ribeiro de Pedrinho e depois das Capelas de S. Sebastião e da Santa Cruz, descansámos um pouco, refrescámo-nos, saboreámos as frutas que trazíamos nas mochilas e voltamos ao caminho pois, esse era longo e as paragens teriam de ser breves nesta etapa.
Andamos mais uns km, acabámos sempre por perder a noção do tempo e do espaço percorrido, bebemos água fresquinha na fonte da Ferreirinha e mais à frente esperava-nos a Capela da Senhora da Portela, construída no séc.XVII.
Estava nesta altura o grupo dividido; os mais afoitos iam já com algum avanço e nós um pouco mais atrás desejávamos por mais uma paragem.
Sem desistir andamos mais uns metros e não tardou o encontro com o nosso guia, junto da Igreja de Aborim, que nos esperava com um largo sorriso.
Uma rápida refeição e o merecido descanso.
Esticados ao comprido já estavam alguns peregrinos, deixando que os raios de sol brincassem com os seus cabelos.
Ninguém sentia a dureza das pedras, nem o sol quente do inicio da tarde.


O descanso foi pequeno!
Apressadamente arrumamos as sobras da merenda e de energia renovada atravessamos o Rio Neiva pela Ponte das Tábuas, formada por grandes lajes de granito que substituiu uma outra de tábuas do século XII.

Como o grupo era grande, as conversas foram-se desenrolando ora com este, ora com aquele, sentido que de etapa para etapa o grupo se ia tornando mais coeso, forte e alegre, tornando assim este caminho numa aprendizagem constante.
O silêncio também nos faz companhia e é nele que muitas vezes nos encontramos verdadeiramente.


Enquanto borboletas faziam a sua mágica aparição, num vai e vem constante, deliciando-me com as suas coreografias e cores multicolores, não pude deixar de observar as lindas flores silvestres que enfeitavam e enchiam de cor o caminho.
Como eram lindas!
Simples!
Singelas e coloridas!
Os meus olhos sorriam enquanto elas se abriam num lindo gesto de amor.
E como era bonita aquela solitária toranjeira, que com seus frutos gigantes e amarelos nos fez parar para melhor percebermos se eram toranjas ou outra coisa qualquer…  entre limoeiros e cameleiras pensei que era digna de ir para o Guiness.

Em Reborido, freguesia de Santo André do Vitorino de Piães, faltavam ainda 12 km para Ponte de Lima, conhecemos a D. Júlia da Silva Correia, como fez questão de nos dizer, que nos convidou a entrar no portão do seu modesto quintal e nos ofereceu todas as laranjas que as nossas mãos conseguiram colher e transportar.

Os frutos pequenos, mas tão sumarentos e saborosos, mataram, ali mesmo, a nossa sede e com sorrisos e palavras doces agradecemos tanta generosidade.
O rosto cansado e magro da D. Júlia iluminou-se com tantos agradecimentos e com o registo fotográfico do momento. Mesmo ali, prometemos-lhe um novo encontro, quem sabe na altura das festas do Santo Padroeiro.
No decorrer deste breve acontecimento meu coração sentiu por instantes o significado da solidão e como, com tão pouco, podemos assistir a uma verdadeira transformação de alguém que se sente feliz partilhando o pouco que  possui.
Foram momentos únicos os que ali vivi e quem sabe se D. Júlia não pensou ter vivido um pequenino milagre... mas, como diz Richard Bach no seu livro “ O Livro de Messias”
“… uma coisa boa nunca é um milagre, uma coisa maravilhosa nunca é um sonho”.
Caía o fim da tarde e faltavam ainda 3km para chegarmos ao nosso destino.
O corpo dava sinais de grande cansaço e olhando o rosto dos outros peregrinos senti que estávamos todos a passar pelo mesmo. Porém, a nossa fé foi aumentando em cada passo dado e, sem vacilar, continuamos a caminhar. O suave perfume da flor de madressilva, misturado com o canto dos pássaros que voavam à nossa volta ajudou-nos neste final de percurso e fez-nos esquecer tanto cansaço e dor nos pés.

Anoitecia quando entramos em Ponte de Lima pela Avenida dos Plátanos, junto ao rio.
As primeiras luzes ascendiam-se e ao fundo lá estava a Ponte, medieval e romana, sobre o rio Lima.


(Continua....)